CONSIDERAÇÕES CRÍTICAS SOBRE O DOCUMENTO “DIRETRIZES DO PACTO PELA EDUCAÇÃO: REFORMA EDUCACIONAL GOIANA – SETEMBRO DE 2011
José Carlos Libâneo, doutor em educação, professor titular da PUC Goiás.
1. Visão geral do documento: Diretrizes do Pacto pela Educação – Reforma Educacional Goiana
Em primeiro lugar, gostaria de acreditar que o projeto de reforma educacional goiana
fosse, de fato, uma iniciativa de educação para todos, na busca de políticas públicas de
recuperação da escola pública goiana no sentido de melhores resultados da aprendizagem
escolar dos alunos e que ao menos sua formulação final contasse com a participação dos
professores e dirigentes escolares e dos setores da sociedade envolvidos com os destinos da
escola pública.
É conhecida a precariedade da escola brasileira. Os resultados das aprendizagens
mostrados nas estatísticas oficiais são medíocres. Em Goiás a situação não é diferente.
Precisamente para enfrentar esses maus resultados o governo do estado e a secretaria da
educação lançaram pela imprensa (5/9/2011) um programa ambicioso de mudanças na educação
goiana. O documento denominado Diretrizes do Pacto pela Educação – Reforma Educacional
Goiana apresenta cinco pilares estratégicos, metas gerais e 25 iniciativas referentes a cada pilar,
mas não traz uma exposição de motivos que justificam as Diretrizes.
No entanto, uma análise
das metas, estratégias e ações propostas não deixa dúvidas de que se trata de um modelo de
intervenção diretamente inspirado na proposta dos organismos internacionais (Banco Mundial,
OCDE, UNESCO, etc.) para a escola de países em desenvolvimento. No seu conjunto, as
Diretrizes do governo goiano para a educação é uma reprodução clara da visão neoliberal
economicista da educação que, basicamente, corresponde a uma política de resultados, com base
na melhoria de indicadores quantitativos de eficiência do sistema escolar. Tal como já ocorreu
em projetos semelhantes de reforma educativa nos estados de Minas Gerais e São Paulo nas
últimas décadas (além de países da América Latina, como o Chile), trata-se de juntar a demanda
da qualidade da educação com eficiência econômica, dentro de padrões empresariais de
funcionamento, visando objetivos pragmáticos e instrumentais. No entanto, é sabido que as
reformas efetuadas naqueles estados (e as implantadas em países latino-americanos) não tiveram
êxito; ao contrário, a situação da educação piorou significativamente. A reforma agora
anunciada em Goiás, cujas linhas gerais, metas e estratégias, não são novidades, pode seguir os
mesmos caminhos caso não sejam revistos aspectos importantes do projeto.
Uma análise crítica das Diretrizes precisa estar atenta a algumas considerações. É
verdade que a qualidade da educação é condição para a eficiência econômica, e é essa a
motivação que está por detrás dessa reforma educativa goiana. Também é fato que o
planejamento estratégico para a educação necessita a previsão de resultados e meios de obtê-los.
Mas os educadores comprometidos com os reais interesses dos alunos da escola pública e suas
famílias perguntam: Que qualidade? Que eficiência econômica? De quais resultados e processos
se trata? Qual é a concepção de desenvolvimento humano e de desenvolvimento social e
econômico que estão por detrás das propostas? Respostas a estas perguntas fornecerão os
critérios de diagnóstico, análise e busca de soluções para os problemas da educação.
Vários educadores brasileiros já apontaram o fato de que, desde o governo Collor,
passando pelos governos FHC e Lula, as políticas educacionais brasileiras já eram uma política
de resultados de inspiração neoliberal. No entanto, este programa do governo de Goiás pode ser
considerado um programa requintado da política de resultados, como forma de regulação do
sistema escolar. Além do mais, para um governo que declara que gasta muito com educação
com pouco resultado, é surpreendente que o documento da reforma tenha sido resultado de
contrato com uma empresa multinacional, a Bain & Company, especializada em consultoria de
gestão, negócios e resultados financeiros, contrato esse ofensivo e acintoso para a comunidade
científica e profissional do campo da educação do Brasil e de Goiás.
A despeito de eu não concordar com a concepção de desenvolvimento humano (apenas
implícita no mencionado documento) e as estratégias de intervenção nos problemas da escola
considero, no entanto, legítimo o direito da secretaria da educação de formular as Diretrizes,
ainda mais por se propor a discuti-la publicamente com as escolas, comunidade e sociedade.
Inclusive, há aspectos da proposta que, se efetivamente postos em prática, podem contribuir
para a melhoria da escola pública. Tratando-se, pois, de uma proposta oficial, vinda do órgão
que tem a responsabilidade social e financeira de manter as escolas, é preciso conhecê-la,
criticá-la, mas, também, indicar os pontos em que a sociedade quer vê-la modificada.
2. Aproximações das Diretrizes com os princípios e estratégias indicados pelos organismos
internacionais (principalmente o Banco Mundial)
Os pesquisadores do campo da educação e os educadores, tanto em âmbito nacional
como internacional, têm identificado detidamente as políticas para a educação dos países pobres
e em desenvolvimento, em associação com as orientações neoliberais para a economia
globalizada. Resumidamente, essas políticas têm as seguintes características:
− Reducionismo economicista, ou seja, as políticas e estratégias para o setor público
devem ser baseadas na análise econômica;
− Redução da pobreza no mundo por meio de investimentos na educação básica,
saúde básica, planejamento familiar, nutrição, de modo a aliviar tensões sociais e
ampliar o número de consumidores;
− Prioridade aos aspectos financeiros e administrativos da reforma educativa,
ressaltando aspectos que devem ser centralizados (padrões de desempenho, insumos
que influenciam o rendimento escolar, estratégias de aquisição e uso desses insumos
e monitoração do desempenho escolar), outros descentralizados (autonomia e
responsabilização das escolas e professores pelos resultados);
− Formulação para a escola de objetivos de aprendizagem mensuráveis (conhecimento
operacional), com padrões de rendimento e avaliação em escala, visando o
acompanhamento de taxas de retorno e redefinição de critérios de investimento
(política de insumos e resultados);
− Aplicação e controle de insumos (livros didáticos, equipamentos, bônus e prêmios,
treinamento em gestão, tempo de permanência na escola, etc.);
− Flexibilização no planejamento e centralização da avaliação, devendo esta controlar
o próprio planejamento e os professores;
− Medidas controladoras que jogam as responsabilidades em cima dos professores e
da sociedade: conteúdos básicos e padrões de aprendizagem, elaboração de livros
didáticos padronizados, convocação dos pais à escola para serviço voluntário;
− Programas de atribuição de bônus e prêmios às escolas que tiverem bom
desempenho e aos professores que cumprirem as metas fixadas pelo sistema de
ensino, com base nos testes padronizados;
− Medidas organizacionais para correção do fluxo escolar: ciclos de escolarização,
programas de aceleração da aprendizagem, como mecanismos de redução da
repetência.
Aplicadas estas orientações para as escolas, temos as estratégias a serem postas em
prática:
− Fixação centralizada de objetivos, metas e competências do sistema de ensino,
dentro de uma política de resultados;
− Introdução de métodos de avaliação para o sistema escolar por meio de testes
estandardizados (medição da aprendizagem a partir de parâmetros);
− Ensino de tipo tecnicista, instrumental, em que se mede a qualidade da
aprendizagem com base na porcentagem atingida pelo aluno em conhecimentos
determinados pelo sistema de ensino
− Obtenção de resultados por meio de provimentos de insumos (textos didáticos
apostilados, avaliação externa por testes, formas de capacitação de professores
com custo baixo, gerenciamento, parcerias com empresas privadas, prêmios e
bônus aas escolas re professores bem sucedidos), sem atender a aspectos
qualitativos.
− Descentralização do sistema visando autonomia das escolas e responsabilização
dos professores pelos resultados, medida pela avaliação externa de desempenho
(incentivo ao desempenho individual);
− Comparação de resultados entre escolas, professores e alunos, promovendo
competição entre eles;
− Implantação de modelos empresariais de gerenciamento (metas quantificadas,
valorização da meritocracia, incentivo ao desempenho individual, tutoria e
coaching, monitoramento
Trata-se, assim, de uma política educacional controlada por resultados, ou seja, fixação
de metas na forma de indicadores quantitativos, exigência de eficácia dos atores do sistema,
estímulo ao trabalho individual por meio de bônus e prêmios. A eficácia dos servidores,
professores, diretores, alunos, depende de determinadas competências. Sendo assim, as
competências são requisitos para os resultados. A avaliação torna-se o meio para medir as
competências que levarão aos resultados. Estes, por sua vez, servem como critério para que
diretores, professores, pais, façam uma reflexão, reelaborem os projetos pedagógicos em termos
de recuperação e melhoramento da escola.
As conseqüências disto são previsíveis:
− Instrumentalização crescente da educação tendo em vista formar o capital
humano em que a empregabilidade substitui o direito ao trabalho; currículo
instrumental com conhecimentos práticos;
− Entrada total da educação no universo econômico enquanto mercado (de
educação, de produtos e serviços pedagógicos, “kits” de formação, de
professores e alunos etc. sem consideração pelos direitos cívicos, políticos,
sociais, culturais);
− Exacerbação do individualismo num contexto de competitividade mundial
conduzindo a escola e os professores à cultura do individualismo (cada um por
si, desempenho melhor que os outros) ao invés de uma cultura da cooperação e
do bem coletivo;
− Legitimação da exclusão social para os não-qualificados pelos critérios
padronizados de desempenho (o sistema provê os meios, conseguir ou não é um
problema individual);
− Tirania da obrigatoriedade de resultados: pressão em cima dos professores e
dirigentes escolares, concorrência e competição entre escolas e professores,
recompensa aos bem-sucedidos, punição aos mal-sucedidos; responsabilização
pelas conseqüências;
− Institucionalização do “professor-executor” (tarefeiro), capacitado em técnicas,
facilitador de aprendizagens, orientador do uso de textos e aplicador de provas,
mas desprovido do conhecimento científico. 4
Não se trata de outra coisa senão da subordinação a um modelo de capitalismo que se
torna uma forma de racionalidade tecnológica que impõe estandardização, o controle e a
dominação.
3. Considerações pontuais sobre o conteúdo do documento
O documento Diretrizes do Pacto pela Educação – Reforma Educacional Goiana
apresenta a) cinco pilares estratégicos; b) Dez metas gerais; c) 25 iniciativas correspondentes a
cada um dos pilares.
A posição explicitada sobre o documento da Secretaria Estadual da Educação mostra a
prevalência do critério econômico para se definir níveis de qualidade do sistema de ensino:
currículo baseado no conhecimento prático e habilidades, empregabilidade, eficiência, baixo
custo, competitividade, indicadores quantitativos de rendimento, vínculo ao mercado, escola
como empresa, aluno como cliente. Tais características aparecem ora explícitas ora implícitas
nos cinco pilares estratégicos, nas metas e ações pontuais da reforma educacional. Passo a
considerar cada um dos pilares, indicando aspectos positivos e negativos, em face das
considerações apontadas anteriormente.
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